quinta-feira, 26 de abril de 2012

O cancro das juntas de freguesia

As juntas de freguesia e as assembleia de freguesia, que reproduziram a lógica da democracia parlamentar a nível nacional, serviram, depois do 25 de Abril, para aproximar o poder local (uma terminologia de contra-poder inventada pelos comunistas) das populações. Adeus, regedores e caciques locais da ex-União Nacional. Os novos servidores do povo, renovados e legitimados por eleições em regra livres, iriam pôr directamente a política ao serviço do povo.
Esta perspectiva era, e em parte ainda é, positiva.
Os cidadãos mais cultos, mais hábeis, mais "desenrascados", mais sábios e com melhores apoios partidários puderam ocupar paulatinamente esses órgãos, nomeadamente as juntas de freguesia, e "trabalhar" com o povo. O problema é que não o deviam fazer sempre mas, por um lado, em muitos casos não havia quem estivesse disposto a substituí-los e, por outro, embora os ganhos directos fossem reduzidos, o cargo de presidente da junta garantia maiores e mais vastos conhecimentos e... mais negócios.
Com um regime de incompatibilidades muito elástico, os presidentes das juntas de fregusia - sejam canalizadores, advogados, empresários ou funcionários públicos -ganham em notoriedade e, sempre, em clientes, a cada momento ou para o futuro. E se a essa capacidade puderem associar uma boa capacidade de acesso aos órgãos e aos serviços municipais... então é como se lhes saísse a sorte grande.
O exercício potencialmente perverso destas pequenas e médias traficâncias de influências e corrupções pode ser contrariado, ou quase combatido, pelo regime de limitação de mandatos. Mas talvez seja mais eficazmente combatido com a redução do número de freguesias e o alargamento da base territorial (e naturalmente social, económica e cultural) das respectivas freguesias.
Quebrado o isolacionismo e o controlo quase feudal das populações, o escrutínio democrático dos presidentes das juntas torna-se mais fácil e mais directo e a capacidade de intervenção das autoridades policiais melhora.
A redução do número de freguesias é uma medida de inegáveis efeitos positivos em termos de gastos do Estado e as populações e os autarcas honestos deviam estar já a preocupar-se sobre a maneira de adequar os interesses legítimos de cada região a essa reorganização.
Os presidentes das juntas de freguesia que têm mais a temer, e que olham para cargos eleitos como se fossem coisa sua (sendo levados a praticar, muito objectivamente, o crime de peculato), é que não fazem mais do que protestar e de berrar histericamente contra a iminente perda de todos os seus privilégios.
Que, repete-se, só são seus por delegação do voto constitucionalmente soberano das populações.
Estes presidentes de junta transformaram-se em cancros que têm de ser removidos e é natural que o seu afastamento, por efeito da limitação de mandatos ou da redução do número de freguesias por castigo político, permita também descobrir os motivos que os fazem agarrar-se aos seus "tachos" com unhas e dentes.

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